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"Era uma vez um pintor que tinha um aquário com um peixe vermelho.
Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor vermelha
até que principiou a tornar-se negro a partir de dentro, um nó preto
atrás da cor encarnada. O nó desenvolvia-se alastrando e tomando
conta de todo o peixe. Por fora do aquário o pintor assistia surpreendido
à chegada do novo peixe. O problema do artista era que, obrigado a
interromper o quadro onde estava a chegar o vermelho do peixe, não
sabia o que fazer da cor preta que ele agora lhe ensinava.
Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor vermelha
até que principiou a tornar-se negro a partir de dentro, um nó preto
atrás da cor encarnada. O nó desenvolvia-se alastrando e tomando
conta de todo o peixe. Por fora do aquário o pintor assistia surpreendido
à chegada do novo peixe. O problema do artista era que, obrigado a
interromper o quadro onde estava a chegar o vermelho do peixe, não
sabia o que fazer da cor preta que ele agora lhe ensinava.
Os elementos do problema constituíam-se na observação dos factos
e punham-se por esta ordem: peixe, vermelho, pintor - sendo o vermelho
o nexo entre o peixe e o quadro, através do pintor. O preto formava
a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.
e punham-se por esta ordem: peixe, vermelho, pintor - sendo o vermelho
o nexo entre o peixe e o quadro, através do pintor. O preto formava
a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.
Ao meditar sobre as razões da mudança exactamente quando assentava
na sua fidelidade, o pintor supôs que o peixe, efectuando um número
de mágica, mostrava que existia apenas uma lei abrangendo tanto o
mundo das coisas como o da imaginação. Era a lei da metamorfose.
na sua fidelidade, o pintor supôs que o peixe, efectuando um número
de mágica, mostrava que existia apenas uma lei abrangendo tanto o
mundo das coisas como o da imaginação. Era a lei da metamorfose.
Compreendida esta espécie de fidelidade, o artista pintou um peixe amarelo."
> Leituras num banco de jardim | Citação 4
Herberto Helder (n.1930), Teoria das cores,
in "Os Passos em volta" ed. Assírio e Alvim, Lisboa, 2001
(texto de 1962, publicado com alterações nas edições posteriores.)
> Xisto | Banco de Imagens da Silveira (BIS)
Paisagem com aquário, Silveira dos Limões, Abril 2014
(a partir de Herbert List, "Goldfish Bowl", 1937)
(a partir de Herbert List, "Goldfish Bowl", 1937)
fotografia digital
© CRO|XISTO|BIS|JX(RO)
Este conto faz parte das minhas memórias da adolescência.
ResponderEliminarFala-nos da lei que tudo abarca e que nunca como agora, tivemos a oportunidade de experimentar.
As barreiras do real e do virtual tombam e sob elas, também nós muitas vezes tombamos, abafados pelo peso da cultura do espectáculo e do "wireless".
Aceitar a metamorfose das "coisas", do mundo e dos homens ("ceci n'est pas une pipe"), é admitir a importância na preservação da alma. Daquilo que para nós é fundamental, primitivo.
Se devemos pintar o mundo com as cores certas, aceitando a sua metamorfose, devemos preservar o que é essencial – o que faz de nós homens – não o fazer, é viver num paradoxo.
Dizia Natália Correia que "ser-se revolucionário hoje é preservar a memória", assim seja, não tombemos.
Gostei imenso do texto luiza infante
EliminarÉ impressionante observar a multiplicidade de leituras e ecos que um texto pode ter. Isso deve-se, seguramente, à sua elevada dimensão, à sua universalidade. Depois de lido (ou vivido) esse texto universal, transporta consigo a história de quem o leu, deixando de pertencer quase por completo a quem o escreveu.
ResponderEliminarDa minha leitura, há um momento inicial de juventude, associado ao primeiro contacto com a obra de Herberto Helder e, simultâneamente, à noção de poema em prosa, noção esta que me fascinou ao ponto de a associar à ideia de poema / "acto vitalício" (Almada Negreiros).
Mas voltando à leitura deste texto de HH: li-o sempre enquanto pintor e agora, sem deixar de o ler enquanto tal, leio também "num banco de jardim" (o atelier ao ar livre). O conceito de fidelidade, por exemplo, deixou de ser apenas uma questão artística para se tornar sobretudo um contraponto ético ao conceito de lealdade. Abomino o valor da fidelidade, tanto quanto amo e admiro o da lealdade. Quanto à "metamorfose", questão central neste poema e também na criação da obra de arte, continuarei à procura.
E pronto, se amanhã tiver de escrever sobre este poema, quem sabe, falarei de paradoxos.
São os quatro elementos numa fotografia. E um peixe, habitante da água. Parece que os pássaros são os únicos que percorrem os quatro elementos em plena liberdade, podendo observar de qualquer perspectiva. Quanto a nós, seres humanos, somos livres de pensar que a Cor e o Pintor se desafiam um ao outro e que o Pintor nos vai oferecendo a beleza que nasce desse desafio. Quando o Poeta se mistura com os pássaros e se debruça sobre o confronto entre a Cor e o Pintor, escreve textos inesquecíveis como este.
ResponderEliminarApenas metaforicamente, o fogo está presente na fotografia. Talvez no vermelho-fogo do peixe que se metamorfoseou e é agora amarelo-dourado. Talvez no fogo vulcânico dos dois Herbertos.
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