quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

O MEU MENINO


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 O meu menino é d'oiro
É d'oiro fino
Não façam caso que é pequenino.

O meu menino é d'oiro
D'oiro fagueiro
Hei-de levá-lo no meu veleiro.

Venham aves do céu
Pousar de mansinho
Por sobre os ombros do meu menino
Do meu menino, do meu menino.

Venha comigo venham
Que eu não vou só
Levo o menino no meu trenó,

Quantos sonhos ligeiros
P'ra teu sossego
Menino avaro não tenhas medo.

Onde fores no teu sonho
Quero ir contigo
Menino d'oiro sou teu amigo.

Venham altas montanhas
Ventos do mar
Que o meu menino nasceu p'r'amar. 


> Leituras num banco de jardim | Citação 12
José Afonso (1929-1987), Portugal
Menino d'oiro, in Cantares, 1968


> Xisto | Iconografia Sacra | Presépio 
Menino Jesus, déc. 1990?
miniatura em plástico (resina), 3,5 cm.
©  CRO|XISTO|IS|P


Longe vão os tempos em que as figuras do chamado "presépio tradicional português" eram produzidas semi-industrialmente em cerâmica pintada. Entretanto, foram sendo introduzidas figuras em plástico, sobretudo importadas da China. Novos materiais e outras tipologias de representação, bem menos ingénuas. São as leis do mercado, dizem-nos. E a verdade é que o Natal, mais do que uma festa das famílias, se tornou um espectáculo grotesco de mercantilização global.
Quanto ao Menino Jesusminiatura em plástico (resina) de assinalável "verismo", reproduz possivelmente um modelo italianizado, desconhecendo-se a origem e data de fabrico. Incorporado recentemente na colecção Xisto|Presépio, como complemento ao figurado tradicional de Barcelos, este Menino contrapõe o tipo de representação predominante ao longo da 2ª metade do século XX, assinalando a decadência de um género iconográfico no contexto da tradição popular portuguesa.

sábado, 20 de dezembro de 2014

COGUMELOS, FETOS, MUSGOS, LÍQUENES
























Os ciclos da terra cumprem-se continuamente. Mas porque a jardinagem nos ensina uma peculiar atenção à Natureza, aos seus segredos e contrastes, o olhar completa-se em cada ano, em cada estação. 

A memória de outros dezembros não impede que a magia se renove, bem pelo contrário, acentua o deslumbramento. Estranhos seres do mundo vegetal, adormecidos durante o verão quente e seco da Beira Baixa, regressam agora com o frio e a humidade, irrompem do solo ou invadem troncos secos e pedras. Os Jardins do Xisto, um território habitável por gnomos e duendes, enchem-se de formas selvagens e caprichosas. O mistério dos bosques revela-se nos recantos sombrios, nas clareiras, na orla dos caminhos. 


> Xisto | Banco de Imagens da Silveira (BIS)
Outono-Inverno nos Jardins do Xisto, 
Silveira dos Limões, 2014
fotografias digitais
©  CRO|XISTO|BIS|JX(RO)

domingo, 14 de dezembro de 2014

HOJE


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 Hoje, eu mereço esta imagem. 


> Leituras num banco de jardim | Citação 11
Rui Xisto (n.1956), Portugal
Autocitação, Lisboa, s/d 


> Xisto | Fotografia 
João Francisco Camacho (1833-1898), Portugal
S/título, Madeira, c.1865
prova "vintage", albumina, 22,3 x 16,3 cm.
©  CRO|XISTO|F

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

ZIZI




Imperatriz Zizi, diminutivo de vi-zi-nha, reinou na Silveira dos Limões, e nas nossas vidas. Tinha um luxuoso "casaco" tricolor e olhos de estrela de cinema, como a Sissi de Romy Schneider (vale a pena ver as semelhanças). Deixou sucessores e súbditos. Será recordada como mãe exemplar. 

Disse-nos uma amiga sábia, também ela mãe, que os humanos deviam aprender a maternidade com as gatas. Porque depois de cuidarem das crias com total dedicação, depois de lhes ensinarem carinhosamente tudo o que é preciso para a sobrevivência num mundo por vezes hostil, as gatas afastam-se dos filhos ainda pequenos e, se preciso for, dão-lhes patada, como que a dizer: sejam aguerridos e autónomos. 

Quem teve o privilégio de conviver de perto com as lições da gata Zizi, não poderia deixar de lhe prestar esta homenagem. 


> Xisto | Banco de Imagens da Silveira (BIS)
A mãe Zizi, Silveira dos Limões, Março 2011
fotografia digital
©  CRO|XISTO|BIS (RO)

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

QUANDO EU NASCI




>
 Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar
a humanidade já estavam todas escritas, 
só faltava uma coisa - salvar a humanidade. 


> Leituras num banco de jardim | Citação 10
Almada Negreiros (1893-1970), Portugal
in A Invenção do Dia Claro, 1921
ed. Assírio & Alvim, Lisboa, 2005


> Xisto | Etnografia 
Ave coroada com trevo no bico (Galo?), 
Castelo Branco, séc. XX (c.1900), 
ferro forjado, 29,5 cm.
©  CRO|XISTO|ET.


"Ave coroada com trevo no bico", pertencente à colecção Xisto|Etnografia, representa um tema zoomórfico de imprecisa classificação (pombo?, águia?, galo?). Recorte em chapa de ferro forjado, a partir do desenho de um motivo têxtil do bordado de Castelo Branco. 
Adaptado remate ornamental de chaminé, apresenta vestígios de policromia e um elemento postiço, suporte de fixação com rosca na base, divergentes do objecto original.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

TOMILHO-LIMÃO



Entre as muitas plantas aromáticas coleccionadas nos Jardins do Xisto, as espécies com aroma cítrico são, digamos assim, excelentes parceiros botânicos do limoeiro (Citrus limon), árvore-símbolo da Silveira dos Limões. De facto, vários arbustos e ervas utilizados em culinária e em medicina tradicional possuem características aromáticas que lembram as da casca de limão e folhas de limoeiro.

No canteiro de aromáticas situado longitudinalmente à beira do principal caminho de entrada nos jardins, o tomilho-limão (Thymus citriodorus), além da surpreendente intensidade do cheiro cítrico, apresenta folhagem variegada com grande evidência ornamental, devido à sua coloração, também ela cítrica, amarelo limão e verde limão.


> Xisto|Banco de Imagens da Silveira (BIS)
Tomilho-limão nos Jardins do Xisto, 
Silveira dos Limões, Março 2014
fotografia digital
©  CRO|XISTO|BIS|JX(RO)

terça-feira, 18 de novembro de 2014

LIMOEIROS







A julgar pela abundância de limões dos jovens limoeiros dos Jardins do Xisto, bons motivos houve no passado para que tenha sido atribuído a esta pequena povoação beirã o nome de Silveira dos Limões. No entanto, até há pouco tempo, se exceptuarmos os limoeiros dos quintais, apenas um limoeiro solitário, junto ao forno comunitário da Praça da República, fazia justiça ao topónimo local. Actualmente, no âmbito do progressivo trabalho de valorização do espaço público da aldeia, dez novos limoeiros marcam um percurso arborizado, desde a placa de entrada até aos jardins onde termina a rua principal. 






O topónimo Silveira dos Limões é constituído por uma dupla referência botânica: a silveira, ou silva (Rubus ulmifolius), arbusto autóctone de cales espinhosos, muito invasor, e o limoeiro (Citrus limon), árvore de pequeno porte, originária da Ásia, desde há vários séculos cultivada na Europa devido aos seus frutos. Por isso, e sem menosprezar a silveira, que nos dá maravilhosas amoras silvestres, a árvore emblemática desta aldeia só poderia ser o limoeiro.


> Xisto | Banco de Imagens da Silveira (BIS)
(1) (2) Limoeiros, na Rua Padre Rodrigues e na entrada da aldeia, 
Silveira dos Limões, 2014
fotografias digitais
©  CRO|XISTO|BIS|JX(RO)

terça-feira, 11 de novembro de 2014

MAGUSTO


Dia de São Martinho, há castanhas quentes e boas em todo o país, honrando a festa do Magusto, que celebra o outono e o tempo do vinho novo. Mas aqui em casa, em vez de assadas, as castanhas serão cozidas com açúcar, erva-doce e mancheia de sal, alternativa aromática mais próxima de uma sobremesa, e também mais fácil de cozinhar.  


> Xisto | Etnografia
Bruxa aramada (assador de castanhas) 
Beira Baixa (Castelo Branco?), séc. XX (1ª metade)
cerâmica, arame
©  CRO|XISTO|ET.


Os assadores cerâmicos já eram produzidos em território português na época romana, como pode constatar-se num objecto arqueológico de Bracara Augusta, datado do séc.II-III d.C., que integra o acervo do Museu D. Diogo de Sousa, Braga. 
A peça da colecção Xisto|Etnografia, proveniente da antiga casa de Maria Laia, Silveira dos Limões, é um assador de castanhas em forma de panela cerâmica de dupla asa, crivado de orifícios organizados em círculos sucessivos a partir da base. Apresenta a particularidade de estar envolvido por um dispositivo de protecção em malha de arame. 
A este assador, chamavam-lhe "bruxa", mas na pesquisa que realizámos não ficou esclarecida a origem de tão insólita designação regional.
Terá sido produzido na Beira Baixa, região de Castelo Branco, de acordo com um modelo cerâmico semelhante, inventariado pelo Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa, ou de um outro, também semelhante, produzido em olarias da aldeia de Telhado, Fundão, conforme inventário do Museu de Arte Popular, Lisboa.  

OUTONO



Regressamos aos Jardins do Xisto após semanas dedicadas exclusivamente à recuperação do forno comunitário da Praça da República. Com o outono já plenamente instalado, os jardineiros não têm descanso, há tarefas de manutenção urgentes, sobretudo no controlo das ervas que irrompem por todo o lado.   

Cada época do ano tem o seu encanto, e o outono traz consigo a intensidade das estações chuvosas. Algumas plantas aguardaram longamente a chegada da atmosfera húmida de Novembro para se revigorarem e florirem, outras, como as espécies caducifólias, preparam transformações radicais, mudanças de cor que precedem a nudez dos ramos. É o caso do carvalho vermelho americano (Quercus rubra), uma jovem árvore plantada em Agosto último, que começa agora a exibir a sua vistosa folhagem outonal.


> Xisto | Banco de Imagens da Silveira (BIS)
Quercus rubra dos Jardins do Xisto, Novembro 2014
fotografias digital
©  CRO|XISTO|BIS(RO)

terça-feira, 4 de novembro de 2014

FESTA COMUNITÁRIA 2014




Anualmente, pelo Dia-de-Todos-os-Santos, reúnem-se na Silveira dos Limões os habitantes, familiares e amigos desta povoação numa festa/convívio que ocorre em torno do forno comunitário da Praça da República. Rotativamente, cabe a uma diferente família da aldeia organizar a festa. Colocam-se toldos de abrigo apoiados em pilares de ferro e montam-se as mesas. Os comes-e-bebes começam pela hora de almoço e os organizadores fornecem sardinhas e febras assadas e, lá para o fim da tarde, castanhas quentes e boas. Não faltam petiscos e o glorioso queijo de Castelo Branco, tudo regado com bom vinho. Entretanto chegam as sobremesas e a jeropiga, que cada um partilha com os restantes convivas. 

A organização da festa comunitária deste ano esteve a cargo da família de Beatriz e José Nunes e contou com várias dezenas de participantes. Estiveram também presentes na renovada Praça da República, como convidados especiais, o Senhor vice-presidente da Câmara Municipal de Castelo Branco, Arnaldo Braz, e o Senhor presidente da Junta de Freguesia de Santo André das Tojeiras, Luis Andrade. 

 


> Xisto | Banco de Imagens da Silveira (BIS)
Praça da República em festa, 1 Novembro 2014
fotografia digital / vídeo timelapse 
©  CRO|XISTO|BIS(RO)/(HOV)

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

DOIS FORNOS COMUNITÁRIOS

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No mundo rural português, os fornos comunitários ocupam um espaço etnográfico e cultural singular. Nestes fornos as mulheres coziam regularmente o pão e cozinhavam os assados e os doces das épocas festivas. Com a alteração dos modos de vida das populações rurais e o despovoamento de muitas aldeias do interior, torna-se hoje difícil manter acesa esta tradição ancestral. 

Na zona da Beira Baixa em que nos encontramos o forno comunitário era habitualmente um pequeno edifício de arquitectura primitiva, aberto ao exterior, com chão de terra batida ou de lajes de xisto. As paredespor vezes com nichos, eram construídas em xisto intercalado de argila, com pedras de granito ao redor da boca do forno. Incluía quase sempre uma bancada para apoio de tabuleiros. A cobertura de telha-vã destinava-se a proteger das chuvas a abóbada do forno e a permitir o arejamento e saída de fumos, uma vez que estas construções eram frequentemente desprovidas de chaminé. 












Grupo de habitantes da aldeia reunidos junto ao Forno Comunitário, 
Silveira dos Limões, c.1950 

Nas últimas décadas, os dois fornos comunitários da Silveira dos Limões sofreram transformações que os descaracterizaram totalmente. Do chão ao telhado nada escapou à sobreposição de novos materiais aplicados sem critério: paredes de xisto foram tapadas com reboco, novas paredes e acrescentamentos foram construídos em blocos de cimento e tijolo, incluindo chaminés, telhado tradicional de canudo foi substituído por versões industriais. 

Das construções primitivas apenas se salvou o forno propriamente dito e algumas paredes em xisto, mutiladas. Todavia, registe-se, as anteriores obras evitaram o abandono e ruína dos fornos, o seu desaparecimento. Por isso, tendo também em conta a escassez de meios humanos e materiais, e afastada a hipótese de reconstrução integral, as recentes obras de recuperação tiveram como objectivo principal valorizar o conjunto, isto é, dignificar e reabilitar tudo o que chegou até aos nossos dias, assumindo-se as várias épocas e as vicissitudes do passado destas construções.



A massa do pão de Aurora Afonso, Forno Comunitário 1, 
Silveira dos Limões, 2012

O processo de recuperação, iniciado em 2010, não está ainda integralmente concluído, sendo que o segundo forno apresenta maior complexidade, quer devido à sua escala e localização, que o tornam uma peça central na definição de uma pequena praça no centro da aldeia - a Praça da República - quer também porque o arranjo deste sítio público integra um conjunto de equipamentos pré-existentes e alguns elementos recentes: busto da República, limoeiro (árvore-símbolo da povoação), canteiro e banco de jardim, mesa redonda, pilar de xisto, chaminé com galo

Durante os trabalhos, a prioridade foi pôr o xisto à vista, remover o reboco grosseiro que o ocultava. Depois, proceder à consolidação destas partes originais e, finalmente, nivelar, rebocar e caiar as partes de blocos de cimento e tijolo. Alguns elementos dissonantes foram suprimidos ou corrigidos, tendo em vista uma coerência arquitectónica global. Evitaram-se mimetizações ou falsas reconstituições de estruturas desaparecidas, bem como elementos postiços ou meramente decorativos. Contenção e simplicidade, são palavras-chave deste processo. Em suma, adquire expressão actual o que é actual, mantém expressão tradicional o que é tradicional. 


> Xisto | Banco de Imagens da Silveira (BIS)
Fornos Comunitários 1 e 2, 2010/2014
diaporama/fotografias digitais
©  CRO|XISTO|BIS(RO)