quinta-feira, 30 de outubro de 2014

DOIS FORNOS COMUNITÁRIOS

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No mundo rural português, os fornos comunitários ocupam um espaço etnográfico e cultural singular. Nestes fornos as mulheres coziam regularmente o pão e cozinhavam os assados e os doces das épocas festivas. Com a alteração dos modos de vida das populações rurais e o despovoamento de muitas aldeias do interior, torna-se hoje difícil manter acesa esta tradição ancestral. 

Na zona da Beira Baixa em que nos encontramos o forno comunitário era habitualmente um pequeno edifício de arquitectura primitiva, aberto ao exterior, com chão de terra batida ou de lajes de xisto. As paredespor vezes com nichos, eram construídas em xisto intercalado de argila, com pedras de granito ao redor da boca do forno. Incluía quase sempre uma bancada para apoio de tabuleiros. A cobertura de telha-vã destinava-se a proteger das chuvas a abóbada do forno e a permitir o arejamento e saída de fumos, uma vez que estas construções eram frequentemente desprovidas de chaminé. 












Grupo de habitantes da aldeia reunidos junto ao Forno Comunitário, 
Silveira dos Limões, c.1950 

Nas últimas décadas, os dois fornos comunitários da Silveira dos Limões sofreram transformações que os descaracterizaram totalmente. Do chão ao telhado nada escapou à sobreposição de novos materiais aplicados sem critério: paredes de xisto foram tapadas com reboco, novas paredes e acrescentamentos foram construídos em blocos de cimento e tijolo, incluindo chaminés, telhado tradicional de canudo foi substituído por versões industriais. 

Das construções primitivas apenas se salvou o forno propriamente dito e algumas paredes em xisto, mutiladas. Todavia, registe-se, as anteriores obras evitaram o abandono e ruína dos fornos, o seu desaparecimento. Por isso, tendo também em conta a escassez de meios humanos e materiais, e afastada a hipótese de reconstrução integral, as recentes obras de recuperação tiveram como objectivo principal valorizar o conjunto, isto é, dignificar e reabilitar tudo o que chegou até aos nossos dias, assumindo-se as várias épocas e as vicissitudes do passado destas construções.



A massa do pão de Aurora Afonso, Forno Comunitário 1, 
Silveira dos Limões, 2012

O processo de recuperação, iniciado em 2010, não está ainda integralmente concluído, sendo que o segundo forno apresenta maior complexidade, quer devido à sua escala e localização, que o tornam uma peça central na definição de uma pequena praça no centro da aldeia - a Praça da República - quer também porque o arranjo deste sítio público integra um conjunto de equipamentos pré-existentes e alguns elementos recentes: busto da República, limoeiro (árvore-símbolo da povoação), canteiro e banco de jardim, mesa redonda, pilar de xisto, chaminé com galo

Durante os trabalhos, a prioridade foi pôr o xisto à vista, remover o reboco grosseiro que o ocultava. Depois, proceder à consolidação destas partes originais e, finalmente, nivelar, rebocar e caiar as partes de blocos de cimento e tijolo. Alguns elementos dissonantes foram suprimidos ou corrigidos, tendo em vista uma coerência arquitectónica global. Evitaram-se mimetizações ou falsas reconstituições de estruturas desaparecidas, bem como elementos postiços ou meramente decorativos. Contenção e simplicidade, são palavras-chave deste processo. Em suma, adquire expressão actual o que é actual, mantém expressão tradicional o que é tradicional. 


> Xisto | Banco de Imagens da Silveira (BIS)
Fornos Comunitários 1 e 2, 2010/2014
diaporama/fotografias digitais
©  CRO|XISTO|BIS(RO)

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

CHAMINÉ COM GALO




A figura do galo é um ícone da vida rural em várias partes do mundo, pelo menos desde a Idade Média, sendo ainda frequente na Beira Baixa encimando torres de igreja e chaminés

Na tradição popular, consoante a cultura e crenças das comunidades em que é representado, atribuem-se ao galo diferentes significados: símbolo do Bem, protector contra maus espíritos e calamidades, símbolo de virilidade e bravura, símbolo cristão associado ao arrependimento de São Pedro - Hoje, antes de cantar o galo, três vezes me negarás. (Lucas, XXII, 60-62 ) - ou símbolo do Natal (Missa do Galo). O Galo Francês (Coq Gaulois) é historicamente símbolo nacional da França. Por sua vez o Galo de Barcelos, desde a 2ª metade do século XX, tornou-se símbolo folclórico nacional de Portugal.

"Os galos estão habitualmente associados a virtudes, mas muito mais importante é o facto do seu canto anunciar o dia. A noite e a sombra estão associados ao Mal e portanto o nascer do Sol representa a vitória do Bem, sendo o galo o seu arauto. É talvez como figura protectora que o galo enfeita os cataventos das igrejas (...). Em qualquer caso é importante extrair que um galo está sempre associado a factores positivos". (João Manuel Mimoso, in "Uma história natural do galo de Barcelos")

Este mês de Outubro, na Silveira dos Limões, a chaminé do forno comunitário da Praça da República foi parcialmente reconstruída, a partir de um modelo local, e nesta nova chaminé foi integrado um "galo-dos-ventos", adquirido a um artesão alentejano que os produzia e vendia orgulhosamente no mercado de Estremoz. Trata-se de uma peça de desenho ingénuo, um tanto desproporcionada, mas autêntica. Facto curioso, apresenta as letras dos pontos cardeais executadas por dobragem do prolongamento das extremidades da cruzeta de ferro. 
Desde hoje, com seu recorte negro no céu, também aqui o galo tem presença permanente, a "nortear" este sítio da internet.


> Xisto | Banco de Imagens da Silveira (BIS)
Chaminé com galo-dos-ventos, Silveira dos Limões, Outubro 2014
fotografia digital
©  CRO|XISTO|BIS(RO)

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

PILAR





Foi em tempos elemento de suporte do telhado de um desaparecido palheiro, contíguo ao forno comunitário, tendo sido daqui retirado no final da década de 1990. Trata-se de um pilar de xisto com mais de dois metros e meio de altura que, no passado dia 11 de Outubro, foi reerguido "in situ", com a ajuda de habitantes da Silveira dos Limões. 

Na reorganização e arranjo da pequena Praça da República, esta peça vertical de xisto, finalmente devolvida ao centro da aldeia, adquire agora uma presença quase escultórica, assumindo discretamente condição simbólica de objecto de identidade e memória.




> Xisto | Banco de Imagens da Silveira (BIS)
(1) Colocação do pilar de xisto da "Praça da República, 11 Out. 2014
(2) O Pilar "in situ", 2 Nov. 2014 
fotografias digitais
©  CRO|XISTO|BIS(RO)

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O BUSTO


Há uns anos atrás, por graça, o vizinho José Nunes pendurou um busto da República no exterior da sua adega, situada no centro da Silveira dos Limões. E a este busto, que tinha encontrado no lixo, juntou depois um painel de platex pintado com a inscrição "Praça da República". 
Mais tarde, em 2010, ano do centenário da proclamação da República, surgiu a ideia de fazer alguns melhoramentos neste local. Os primeiros trabalhos foram dedicados ao arranjo da fachada da adega de José Nunes, e dependências contíguas. Havia que colocar o busto sobre uma condigna peanha de xisto, rebocar-à-colher as paredes de blocos de cimento à vista e concluir a intervenção com pintura a cal (clique para ampliar as imagens). 
Posteriormente, em 2013, o vizinho Nuno Martins, por sua vez, procedeu à recuperação de um antigo palheiro de xisto, que é uma das construções tradicionais mais marcantes da povoação, situada igualmente na dita "praça". 
Finalmente, quatro anos depois da primeira intervenção, agora por iniciativa conjunta de um grupo de vizinhos, estão em curso os trabalhos de recuperação do segundo forno comunitário da aldeia, pequeno edifício que estabelece a transição entre os dois níveis ou patamares superior e inferior do recinto da Praça da República. 
E tudo isto por causa da res publica, em prol da "coisa pública". 


> Xisto | Banco de Imagens da Silveira (BIS)
Edifícios do lado sul da "Praça da República, 2010
fotografias digitais
©  CRO|XISTO|BIS(RO)