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No mundo rural português, os fornos comunitários ocupam um espaço etnográfico e cultural singular. Nestes fornos as mulheres coziam regularmente o pão e cozinhavam os assados e os doces das épocas festivas. Com a alteração dos modos de vida das populações rurais e o despovoamento de muitas aldeias do interior, torna-se hoje difícil manter acesa esta tradição ancestral.
Na zona da Beira Baixa em que nos encontramos o forno comunitário era habitualmente um pequeno edifício de arquitectura primitiva, aberto ao exterior, com chão de terra batida ou de lajes de xisto. As paredes, por vezes com nichos, eram construídas em xisto intercalado de argila, com pedras de granito ao redor da boca do forno. Incluía quase sempre uma bancada para apoio de tabuleiros. A cobertura de telha-vã destinava-se a proteger das chuvas a abóbada do forno e a permitir o arejamento e saída de fumos, uma vez que estas construções eram frequentemente desprovidas de chaminé.
Grupo de habitantes da aldeia reunidos junto ao Forno Comunitário,
Silveira dos Limões, c.1950
Nas últimas décadas, os dois fornos comunitários da Silveira dos Limões sofreram transformações que os descaracterizaram totalmente. Do chão ao telhado nada escapou à sobreposição de novos materiais aplicados sem critério: paredes de xisto foram tapadas com reboco, novas paredes e acrescentamentos foram construídos em blocos de cimento e tijolo, incluindo chaminés, telhado tradicional de canudo foi substituído por versões industriais.
Das construções primitivas apenas se salvou o forno propriamente dito e algumas paredes em xisto, mutiladas. Todavia, registe-se, as anteriores obras evitaram o abandono e ruína dos fornos, o seu desaparecimento. Por isso, tendo também em conta a escassez de meios humanos e materiais, e afastada a hipótese de reconstrução integral, as recentes obras de recuperação tiveram como objectivo principal valorizar o conjunto, isto é, dignificar e reabilitar tudo o que chegou até aos nossos dias, assumindo-se as várias épocas e as vicissitudes do passado destas construções.
A massa do pão de Aurora Afonso, Forno Comunitário 1,
Silveira dos Limões, 2012
Durante os trabalhos, a prioridade foi pôr o xisto à vista, remover o reboco grosseiro que o ocultava. Depois, proceder à consolidação destas partes originais e, finalmente, nivelar, rebocar e caiar as partes de blocos de cimento e tijolo. Alguns elementos dissonantes foram suprimidos ou corrigidos, tendo em vista uma coerência arquitectónica global. Evitaram-se mimetizações ou falsas reconstituições de estruturas desaparecidas, bem como elementos postiços ou meramente decorativos. Contenção e simplicidade, são palavras-chave deste processo. Em suma, adquire expressão actual o que é actual, mantém expressão tradicional o que é tradicional.
> Xisto | Banco de Imagens da Silveira (BIS)
Fornos Comunitários 1 e 2, 2010/2014
diaporama/fotografias digitais
© CRO|XISTO|BIS(RO)
"Adquire expressão actual o que é actual, mantém expressão tradicional o que é tradicional".
ResponderEliminarJuntar o que é contemporâneo ao que é tradicional, tarefa concebida por quem se tem disponibilizado com o seu saber e árduo trabalho.
A comunidade empenhou-se e colaborou nas obras do forno grande, o que me alegrou muito. Fraternidade, também é tradição a ser cultivada para não esmorecer, com um novo brilho resgatado de outrora, brilho acolhedor e hospitaleiro tão característico da Beira Baixa.
Além dos Jardins do Xisto, cujo coração continua a pulsar, tem hoje a Silveira dos Limões como principais pontos de interesse, a "nova" Praça da República e os dois fornos comunitários.
Parabéns Silveira!
É verdade Shanti, a recuperação da aldeia é uma tarefa que implica critérios adequados. Depois dos melhoramentos da Praça da República nada será como dantes, E há tanto por fazer. Com o. envolvimento da comunidade será muito mais fácil, mas andes disso é necessário iniciativa, vontade e consensos para definir os próximos passos.
EliminarTrabalho magnífico este de recuperar e integrar a memória arquitectónica de uma aldeia. A identidade de um povo também tem a ver com isso. Continuem, o vosso trabalho transmite
ResponderEliminarenergia ao visitante do blog.
Energia é mesmo o que precisamos para continuar. Bem haja.
EliminarQue trabalho magnífico!
ResponderEliminarTambém eu gostava de ver algo assim na aldeia onde tenho uma casa. Pessoas empenhadas no bem comum, como vós, fazem falta, e é pena não se multiplicarem por este mundo onde há tanto para amar.
Parabéns.
Dizes: "por este mundo onde há tanto para amar".
EliminarBem haja, Zélia, por trazeres aqui a questão dos afectos, tantas vezes esquecida. Amar a arte, o património, a cultura de uma comunidade, amar a natureza e as pessoas. Sem este "amar" será que alguma coisa vale a pena?